22 de fev. de 2011

O Brasil tem bons motivos para grandes manifestações


Estudantes europeus protestam contra reformas educacionais; mulheres italianas pedem o fim do governo Berlusconi; povos árabes querem a derrubada das ditaduras.

Por Hamilton Octavio de Souza

Não apenas os europeus, asiáticos e africanos têm os seus motivos para sair às ruas em grandes manifestações de protesto e de luta. Nas últimas semanas, as explosões de protestos pipocaram pelo mundo. Marchas, passeatas, concentrações – pelos mais variados motivos, mas, no geral, para defender liberdade, democracia, direitos, enfim, a demanda por um mundo melhor do que o atual, que tem sido degradado por modelo econômico predador e políticos e governos autoritários, omissos, decadentes ou simplesmente indiferentes às demandas populares.

Aqui, no Brasil, também temos manifestações: desde o começo de janeiro que estudantes e trabalhadores – de São Paulo e de outras capitais – protestam contra os aumentos dos serviços públicos de transportes. As passagens dos ônibus e de metrô foram reajustadas muito acima da inflação e dos reajustes salariais. Andar de ônibus e de metrô nas principais cidades brasileiras representa um peso inaceitável para quem precisa estudar e trabalhar. A privatização do transporte coletivo tira o pão da boca de muitas famílias.

A luta para a redução de tarifas tem sido tratada – pelas autoridades municipais, estaduais e federais – como caso de polícia, alvo de forte repressão. O Brasil todo viu – pela TV e pela Internet – como a Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar utilizaram a truculência para reprimir uma dessas manifestações, quinta-feira, dia 17 de fevereiro, no centro de São Paulo, em frente à sede da Prefeitura Municipal, com o espancamento de populares, jornalistas e de três vereadores do PT.

Nesses dias, também, moradores de Belo Horizonte (MG) e do Rio de Janeiro (RJ) realizaram manifestações de protestos contra o despejo de comunidades que estão no caminho das obras viárias da Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas (2016). A especulação imobiliária fala mais alto do que o direito de moradia dos cidadãos. E as autoridades usam a truculência típica das ditaduras para “limpar” ocupações, assentamentos e bairros pobres – em nome do progresso e, particularmente, do lucro que alguns grupos terão com os megaeventos esportivos.

O Brasil e os brasileiros têm outros bons motivos para sair às ruas, protestar, lutar, fazer manifestações que sejam capazes de mudar essa história (pre)determinada pelos interesses econômicos das elites e do capital nacional e internacional. É claro que em cada cidade, região, comunidade, existe uma agenda específica de lutas que justifica a realização de protestos e manifestações, desde colocar o prefeito corrupto na cadeia, até exigir que as escolas públicas funcionem verdadeiramente com qualidade.

Da mesma forma, o País tem inúmeros motivos de dimensão nacional que justificariam a união do povo brasileiro, o fim da apatia e o surgimento de uma onda de manifestações. Alguns motivos para protestar são:

- A defesa dos povos do Xingu contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, que é uma obra faraônica que vai consumir uma quantidade enorme de recursos públicos para um retorno energético pífio, sem contar o estrago ambiental e a destruição do acervo cultural e antropológico dos povos indígenas que habitam aquela região do Pará.

- A luta contra a aprovação do projeto de lei do novo Código Florestal, em tramitação no Congresso Nacional, e que possibilita a aceleração do processo de destruição da floresta amazônica, do cerrado e das matas protetoras dos rios e dos morros. O projeto do código, do jeito que está só serve aos interesses da especulação imobiliária, do agronegócio e dos destruidores da natureza.

- A luta pela nacionalização do petróleo do pré-sal e sua exploração racional conforme as necessidades do Brasil. Não permitir que esses importantes recursos dos brasileiros sejam entregues para o capital estrangeiro, e nem que a riqueza do pré-sal seja retirada a toque de caixa para manter o padrão de vida e o modelo energético dos Estados Unidos. Defender a exploração racional do pré-sal é algo estratégico para reduzir as desigualdades e construir um Brasil mais equilibrado econômica, social e ambientalmente.

- A democratização dos meios de comunicação; a universalização do ensino médio e superior público e gratuito; sistema público de saúde com excelente atendimento de qualidade; a imediata reforma agrária com amplo apoio estatal; acabar com o déficit habitacional, especialmente das populações que vivem em áreas de risco; promover a geração de empregos com aumento real dos salários.

Algumas dessas demandas são velhas conhecidas do povo brasileiro. Elas têm sido cantadas em prosa e verso desde o início da República, há mais de cem anos. Todos os governos as colocam no rol das promessas. Poucos conseguiram realmente avançar nas realizações. A paciência dos brasileiros tem sido muito maior do que a de outros povos – na Europa e na América Latina. Agora, a onda de protestos atinge países que também estavam em aparente acomodação social.

Não será surpresa que venham a ocorrer grandes manifestações populares aqui, convocadas por diferentes meios, apesar da passividade de partidos políticos e de entidades sindicais institucionalizados e domesticados pelos interesses dos grupos econômicos que mandam no País. A onda de protestos pode estar apenas começando – é o grito legítimo dos que clamam por outro rumo para a humanidade.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.